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ELLE, tire seu capitalismo e seu colonialismo do nosso caminho!

A Revista ELLE[1] lançou esta semana quatro opções capas de sua edição de dezembro com o tema “Mexeu com uma, mexeu com todas”. Todas com modelos magras (três mulheres brancas e uma negra), acompanhadas de frases feministas: “Meu corpo, minhas regras”, “Vestida ou pelada, quero ser respeitada”, “Meu decote não dá direitos” e “Minha roupa não é um convite”. A repercussão nas redes sociais – entre elogios e críticas – provoca diversos questionamentos: Quais os interesses da “maior revista de moda luxo do mundo” abordar o feminismo (ou parte dele)? Por que a revista, com mais de 25 anos de existência no Brasil, resolve destacar o tema somente agora, uma vez que a auto-organização de mulheres e a produção de conhecimento feminista não foi inventada em 2015? A revista se adapta aos “novos comportamentos” porque deseja a ruptura do patriarcado (e assim do capitalismo e racismo) ou por que se preocupa em manter seu público e assim, a garantia dos lucros? Por que modelos excessivamente magras e jovens? Por que não mulheres livres de padrões hegemônicos de beleza?


Para iniciarmos nossa conversa, recorremos à memória. Os periódicos, especialmente pertencentes à “imprensa feminina” acompanham historicamente os diferentes lugares e papéis sociais atribuídos às mulheres, embora cumpram seu “papel de guardiã da ordem” (LUCA, 2012, p. 451). As tensões, entre os modelos vigentes e as rupturas, no interior das revistas, são já conhecidas, exemplificada nos textos da escritora Carmem da Silva na revista Cláudia entre os anos de 1963 e 1985. A psicóloga lançou discussões sobre a “dinâmica das relações entre homens e mulheres, a condição feminina e o feminismo.” (p.456), na mesma revista que orientava suas leitoras a serem boas esposas com seus maridos.
No entanto, a força das permanências sobressaiu as contradições e o mito do eterno feminino é constantemente atualizado. Um chavão “que tenta imobilizar, no tempo, as virtudes ‘clássicas’ da mulher. Um chavão que corresponde bem ao senso comum de procurar qualidades quase abstratas: maternidade, beleza, suavidade, doçura e outras num ser que é histórico” (BUITONI, 2009, p. 24). E que caminha, a partir dos anos 60, ao lado da lógica do mercado, conjugando beleza e consumo. As orientações de comportamento, relações afetivas (heterossexuais) e moda, são acompanhadas pela oferta publicitária de produtos.
No caso das capas da ELLE, a permanência é o corpo magro, jovem, particularmente branco (embora haja a presença de uma modelo negra) e vestido de acordo com a moda. Este imaginário ético e estético dos corpos atribui critérios de beleza, moda e educação. Qualifica por um lado como bonitas, limpas e bem vestidas as mulheres brancas com características ocidentais. Qualifica por outro como as feias, sujas e mal vestidas as outras mulheres. Tal imaginário, eurocêntrico e estadunidense, portando colonialista, penaliza cotidianamente os corpos especialmente das mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres gordas, mulheres idosas e tantas outras. Transforma a mulher em objeto de consumo para a sociedade, especialmente para homens. E por meio da publicidade orienta as “tendências” das formas de se vestir, de se embelezar, como se comportar com o namorado, seduzindo as mulheres para a compra de produtos que as tornam belas e modernas.
Ao visualizar o site da revista, as palavras–chaves que compõem sua página inicial e que reúnem reportagens específicas de cada tema parecem referir-se ao atual “universo feminino”: beleza, cabelos, moda, amor/sexo, família, dieta, fitness, estilo de vida, saúde, cultura, trabalho, famosos/TV e receitas. Triplas, quádruplas, quíntuplas jornadas insinuadas às mulheres: há de sermos magras, controladoras da nossa alimentação, há de submetermos a técnicas estéticas e compra de produtos para alcançarmos a beleza esperada, há de sermos as principais responsáveis no cuidados dos filhos, há de agradarmos namorados e maridos na cama e dar conta eficientemente da carreira profissional bem como dos afazeres domésticos.
Vitor Teixeira

Ao agregar intrinsecamente beleza e consumo, cabe perguntar: estaria a ELLE transformando o(s) feminismo(s) em um produto de consumo? Apanhando parte do discurso feminista para fins lucrativos? Nancy Fraser em Como o feminismo se tornou a empregada do capitalismo – e como resgatá-lo, atenta que “o movimento pela libertação feminina tenha se enredado perigosamente com os esforços neoliberais de construir uma sociedade de livre mercado”, uma vez que as ideias feministas têm sido cada vez mais expressas em termos individualistas. Para a autora, é preciso romper com esse estreitamento perigoso com o neoliberalismo, resgatando e fortalecendo ao lado da pauta feminista, a luta pela justiça econômica.
A mesma revista que estampa em sua capa frases feministas ausenta sua ligação com grifes de moda já flagradas com trabalho escravo. No Brasil, marcas como Zara, M. Officer e Luigi Bertolli, denunciadas por manter mulheres e homens latino-americanos em condições análogas à escravidão, compõe a publicidade do periódico. A roupa oferecida nas páginas, transformada em desejo de consumo para a leitora-consumidora é a mesma confeccionada deploravelmente por uma trabalhadora escrava boliviana em terra estrangeira.
Atenta aos discursos que procuram cooptar as lutas feministas, seguimos denunciando a ofensiva do capitalismo sobre o trabalho, o território e os corpos das mulheres. Nossa resistência não é artefato de lucro para o mundo empresarial e publicitário. Para o feminismo, o capitalismo nunca teve eco!

Nota [1] – ELLE é uma revista feminina de moda francesa, lançada em 1945. Atualmente em circulação em mais de 60 países.

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