1914 |
Férias da universidade possibilitam a
leitura de tantos escritos. Aqueles que a rotina cotidiana faz adiar o desejo
de novos (ou já conhecidos) mundos. E há poucas semanas o livro
escolhido foi um clássico da História do Vestuário A roupa e a Moda: uma história
concisa do James Laver.
O gosto pela História do Traje se
associa à busca pela compreensão do corpo (em especial da mulher) como uma
linguagem e a criação sobre ele, seja de imagens, discursos, atributos, formas
de admirá-lo, negá-lo, de representá-lo em determinado tempo e espaço.
Elementos alterados através de
marcadores sociais e políticos, como a raça, gênero e classe social.
Em A
roupa e a Moda: uma história concisa, Laver
descreve os principais momentos, ao
longo da História, do vestuário no(do) mundo ocidental, detalhando suas formas
e materiais. O foco no ocidente é explícito. O oriente é apresentado apenas
como influência ao traje europeu. Territórios como a África e a América Latina
são despercebidos. Viés da história eurocêntrico.
Outro aspecto
relevante da obra é o foco no vestuário das classes superiores economicamente.
Pouco se apresenta o traje daqueles/as com menor poder aquisitivo ou se
problematiza o papel político e social da roupa. Ora, o traje é ligado a um determinado
tempo e espaço, assim conectado a um contexto sócio-político e econômico.
Assim, suas cores e tecidos expressam uma posição social (HOLLANDER, 1996, p.
14). Na metade do século XIX, por exemplo, a saia de uma mulher rica era tão
volumosa que era necessário a ajuda de um criado para vesti-la e despi-la.
Deste modo uma das finalidades do uso desse modelo feminino era exaltar o alto status social, pois remetia ao poder de
contratar um séqüito de criados (LAVER, 1990, p. 172).
As cinco ordens de perucas, de Willian Hogarth, 1761 |
O livro também cita fatos históricos
como momentos que interferiram o cotidiano, e no caso na moda também. Na
Revolução Francesa, por exemplo o rompimento com uma “tendência” aristocrática:
“Como todos os grandes levantes populares, ela (Revolução Francesa) teve um
efeito profundo tanto nas roupas masculinas quanto nas femininas. Os trajes do
Antigo Regime foram erradicados” (LAVER, 1990, p. 148). O uso das perucas a
passava a ser abandonado.
A distinção entre o traje masculino e
feminino, e vice-versa, é constantemente exposta. A sexualidade é
“visualizada nos modos de vestir” (HOLLANDER, 1996, p. 18). E o traje masculino
como ideal, forneceu por muito tempo o padrão de elegância e extravagância
desejado.
Propaganda de anquinhas, 1870 e 1880 |
Ana Hollander em O sexo e as roupas: a evolução do
traje moderno afirma que “o
vestuário masculino e feminino (...) ilustra como as pessoas querem que a
relação entre homens e mulheres seja” (p. 18). O ideal dessa relação está
ligado diretamente aos elementos tradicionais da construção de gênero para definir
o que é ser Mulher e o que é ser Homem. À divisão sexual do trabalho. No
século XIX, com a ascensão da burguesia:
O próspero homem de
negócios esperava duas coisas da esposa: primeiro que fosse um modelo de
virtudes domésticas e segundo que não fizesse nada. Sua ociosidade total era a
marca do status social do marido. Olhava-se com
desprezo qualquer tipo de trabalho, e as roupas que refletiam essas atitudes
eram extremamente restritivas (LAVER, 1990, p. 170).
A linha fundamental da roupa
feminina de grande parte do século foi a saia volumosa com o uso de anáguas e anquinhas que
impedia as mulheres de realizar qualquer atividade (LAVER, 1990, p. 170).
Quando houve uma tentativa do uso de calças pelas mulheres, a rejeição e a
censura explodiram. Para o homem deste período tal atitude era um “ataque
ultrajante à sua posição privilegiada” (LAVER, 1990, p. 182).
Punch, o espelho fiel da opinião da classe média do século XIX
publicou dezenas de charges enfatizando as conseqüências de uma possível
revolução sexual, um mundo em que homens tímidos estavam totalmente submissos
às suas mulheres que usavam calças. “Como o marido, a mulher será; um vestido
ele terá de usar” (LAVER, 1990, p. 183).
E quando a saia perdeu as anáguas
e foi encurtada, as agitações também foram inevitáveis. Em 1925 “o arcebispo de
Nápoles chegando a anunciar que o recém – ocorrido terremoto em Amalfi se devia
à ira de Deus contra uma saia que apenas cobria os joelhos” (LAVER, 1990, p.
230). Nos Estados Unidos foram criados projetos de lei para proibir o uso de
saias curtas, prevendo multa e prisão para as mulheres que usassem nas ruas.
Situações como essas e tantas outras
que o livro descreve, traduzem a ligação de padrões
de moda, beleza e comportamento para a mulher com a sua construção tradicional.
Isto é, baseada no espaço privado do lar, no desejo do marido/namorado e na
figura de ser mãe. Construção que insiste em perpetuar-se, criando novas formas
de segregação seja na objetividade como na subjetividade.
André Courrèges - 1968 |
Outra constatação que chama atenção na
história do Traje através do escrito de Laver, é conexão da moda com a
juventude a partir da década de 50, especialmente nos anos 60. A efervescência no campo
das artes, seja a música, a literatura, o cinema ou/e o teatro, gera o desejo
de ruptura também no mundo das roupas, além do tratamento ao corpo, como um
veículo de criação.
Por fim a escrita e
publicação do livro impede o conhecimento da roupa nesse início do século XXI.
A roupa e a moda que hoje, como afirma Carlos Gardin (2008), estão ligadas fortemente
ao sistema capitalista de consumo ao criar padrões de comportamento vendáveis e
deixar de lado o campo da criação e arte.
Referências Bibliográficas
GARDIN, Carlos. O corpo mídia: modos e moda. In:
OLIVEIRA, Ana Claudia de; CASTILHO, Kathia. Corpo e moda: por uma compreensão
do contemporâneo. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008.
HOLLANDER, Anne. O sexo e as
roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro:Rocco, 1996.
LAVER, James. A roupa e a
moda. Uma História Concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1990
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