06 de julho de 1907: Em meio à estação de
chuvas de verão em Coyoacán, antigo distrito da periferia sudoeste da Cidade do
México, nascia Magdalena
Carmen Frida Khalo[1] y Calderon Rivera. Brotava
a intensa e irreverente latina- americana Frida
Kahlo.
Filha de Guilhermo e Matilde Kahlo, a
mexicana que tempos mais tarde se tornaria pintora, traz em seus movimentos,
seja nos seus diversos quadros como na sua faiscante vida, generosidades e
encantos que teimam a inspirar e inquietar trajetórias de suas/seus amantes
espalhados pelo México agora, de coletivos e organizações que desejam o restabelecimento
da justiça ou simplesmente de quem em algum momento cruzou-se com a memória de
Frida.
Sua vida tecida de intensidades e
sentimentos: alegrias e dores; amor e paixões, fascínios e agonias; rupturas e
reiventos; desejos de justiça e solidariedade; cores e texturas; sangues e sorrisos;
simplicidades e irreverências; ternuras e ironias; aprendizagens e sabedorias; raízes
da Pachamama iluminadas pela Lua e
pelo Sol; noite e dia (“Minha noite pergunta a si mesma se meu dia não se
parece com a minha noite” [2]).
E um dos seus momentos mais suntuosos, mas
pouco conhecido, deve ser rememorado na ciranda da sua memória: Frida Kahlo
como educadora.
A pintora mexicana, que no início da década
de 40 chegava à La Esmeralda, Escola
de Pintura e Escultura do Ministério da Educação Pública na Cidade do México,
cativou ao longo da sua docência inúmeros estudantes. O estranhamento e
resistência inicial da comunidade escolar, especialmente das/os estudantes ao
receberem uma professora mulher, foram superados pela viva troca de
aprendizagens.
Guillermo Monroy, um dos seus alunos, recorda da
primeira vez que viu Frida na Escola: “Ela apareceu lá (...) como um estupendo
ramo florido, por causa de sua alegria, amabilidade e encanto”. [3]
Segundo meninas e meninos
que tiveram a honra de ter a mexicana como professora, Frida Kahlo não instituía
idéias as suas turmas, ao contrário deixava que os talentos de cada educanda/o se
desenvolvessem de acordo com os seus processos, ritmos e conhecimentos. Em
certa ocasião expôs as/aos suas/seus alunas/os que estava “sempre aprendendo”[4],
permitindo
assim a intercâmbio dos saberes de suas muchachitas
e seus muchachitos (como Frida chamava as/os alunas/os). O
ensino –
aprendizagem se fazia presente...
Saberes esses que se misturavam com as andanças da
pintora. Para Fanny Rabel Frida “não nos influenciou por meio de sua pintura,
mas por meio do seu jeito de viver, de olhar para o mundo e as pessoas e a
arte”[5]. Arturo García Bustos completa que “o
que ela nos ensinou, fundamentalmente, foi amar as pessoas, e um gosto pela
arte popular”.[6]
Frida y los Fridos, Texcoco, 1944. |
Quando a saúde da professora, porém passou a oferecer
limitações, as aulas foram transferidas para sua casa. O numeroso grupo
inicialmente foi resumido na persistência de quatro jovens, que não deixavam de
fazer o longo trajeto de ônibus: Arturo García Bustos, Guillermo Monroy, Fanny
Rabel e Arturo Estrada. Segundo as/os insistentes, Frida tornou sua morada,
especialmente seu jardim, a sala de aula para as próximas experiências que
chegavam. E a admiração pela maestra
crescia: “Ela tinha uma graciosidade e uns encantos especiais. Ela era tão
alegre que fazia poesia à sua volta”. [7]
Além das ligações diretas entre a arte e a vida, a curiosidade epistemológica foi também alvo de estudos: História da Arte pré –
hispânica, dos pintores anônimos de retablos
e de artistas favoritos de Frida (incluindo seu marido Diego Rivera),
ilustrações de plantas e animais assim como livros sobre arte erótica.
Pinturas em murais tornaram-se projetos contínuos dos
Los Fridos, como ficaram conhecidas/os
as/os estudantes de Frida. Em 1945,
a turma junto de sua professora pintou diversos murais
na Casa das Mulheres “Josefina Ortiz de Domínguez”, uma lavanderia pública de
viúvas e mães solteiras que tinham por ofício a lavagem de roupas. O projeto
que serviu ao bem público não foi à toa já que a contestação política de Frida
estava longe de ser uma surpresa.
O incentivo ao envolvimento nas discussões políticas
e o estímulo ao conteúdo social na arte provocados na turma foram frutos da sua
visão e prática marxista.
Anos mais tarde, Los
Fridos formaram um grupo de “pintores esquerdistas que comungavam com o
ideal de levar a arte para o povo. Conhecidos como os Jovens Artistas
Revolucionários, o grupo cresceu e chegou a incluir 47 membros, e organizou
diversas exposições ambulantes em diferentes bairros de trabalhadores da Cidade
do México”. [8]
O caminho docente construído por Frida Kahlo aponta
para uma Educação que intervém no mundo. Mas que intervenção assim, a irreverente latino –
americana em seu exercício diário, provocava? A da liberdade ou do
autoritarismo? Da esperança ou do fatalismo?
Frida e sua experiência, para muito além dos muros da
escola, assinalam para uma prática comum coletiva baseada no conhecimento dos
saberes das pessoas; na justiça social; nas relações humanas fundamentadas na
igualdade; no respeito à Mãe Terra como fonte de Vida, para o Bem Viver de
todos/as.
E para sua inquietante memória permanecer na
continuidade das reflexões e inspirações, tomamos conhecimento de mais um
relato de seu antigo aluno Arthuro Estrada:
[1] “(...) em sua certidão de nascimento consta a grafia
“Frida”, o nome da pintora foi escrito com um e – Frieda -, à moda alemã, até o final da década de 1930, quando
ela abandonou a letra por causa da ascensão do nazismo na Alemanha”. (HERRERA,
Hayden. Frida:a biografia. São
Paulo: Globo, 2011, p. 24)
[2] “Carta a Diego ausente, Cidade do México, 12 de
setembro de 1939. Não enviada” (JAMIS,
Rauda. Frida Kahlo. São
Paulo: Martins Fontes, 1987, p.208)
[3] (HERRERA, 2011, p. 400)
[4] (HERRERA, 2011, p. 400)
[5] (HERRERA, 2011, p. 402)
[6] (HERRERA, 2011, p. 402)
[7] (HERRERA, 2011, p. 404)
[8] (HERRERA, 2011, p. 415)
[9] (HERRERA, 2011, p. 416)
Frida representa muito. A arte como é. Uma leitura de si mesma que não se vê em 'onde' nenhum mais.
ResponderExcluirDesconhecia todo esse lado educadora dela. Bom ler isso aqui. As descrições lembram muito a questão da educação enraizada de Paulo Freire também.
p.s.: valeu pela participação hoje no Seminário da CAJU. E ainda da cobertura online, hehe. Ganhou um seguidor aqui agora, rs.