Entre tantos quadros cercados de profundidades e denúncias da realidade de Frida Kahlo, Uns quantos piquetitos(1935) chama a atenção ao retratar uma situação freqüente enfrentada pelas mulheres naquela época e também nos dias de hoje, a violência doméstica. A pintura revela a brutalidade da violência física praticada contra a mulher.
A obra é inspirada em uma notícia de um jornal mexicano de 1935, em que um homem bêbado jogou a namorada numa cama e a apunhalou cerca de vinte vezes. Quando questionado pela polícia sobre o crime, o assassinato respondeu que apenas foram umas “facadinhas de nada”. Sensibilizada pelo ocorrido, Frida desenha a cena do crime: o assassino com um punhal ensanguentado na mão e ao seu lado, o corpo nu da mulher marcado pelas facadas; o rastro de sangue está presente na roupa do homem, na vítima, na cama, no chão e alastra até mesmo a moldura da tela. A pintura, manchada de sangue, transborda da tela para a vida de Frida Kahlo.
Na mesma época, a pintora mexicana também se sentia “assassinada pela vida”, ao descobrir a traição de seu marido, Diego Rivera, com sua irmã caçula, Cristina Kahlo. A violência física do quadro é para Frida também a violência simbólica de Rivera contra seus sentimentos.
A pele sangrada e ferida da vítima recorda as milhares de mulheres mortas pelos seus próprios namorados, maridos, amigos e tantos outros próximos, e é fruto das relações desiguais de gênero. No Brasil, assim como no México, a violência doméstica está presente no cotidiano, como aponta A Pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado, realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC. Segundo os dados, uma em cada cinco mulheres considera já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”. Além disso, o parceiro (marido ou namorado) é o responsável por mais 80% dos casos reportados.
E o parceiro assassino da mulher na tela de Frida aparenta uma postura brutal no rosto e imobilizada no corpo. A pintora disse a uma amiga que pintou o assassinato com aquela aparência “porque no México assassinar alguém é algo bastante satisfatório e natural”. O corpo imobilizado do assassino é o poder do judiciário e a sociedade no geral, ainda em muitas vezes, impassíveis à tantas mulheres vítimas da crueldade de seus maridos. A brutalidade do rosto é a face também da grande mídia, ao naturalizar e tornar a morte de mulheres e jovens num espetáculo para gerar ibope.
Frida Kahlo e sua solidariedade ao povo mexicano na denúncia da violência doméstica, provoca a todos para a manifestação pública de combate às desigualdade de gênero e a defesa dos direitos e autonomia das mulheres. A violência contra a mulher não é o mundo que Frida quer; não é o mundo que a gente quer!
Lindo texto, Paulinha. Vamos postar no blog da MMM. bjks
ResponderExcluirLi sobre esta obra na biografia de Frida kahlo ! Achei de uma sensibilidade maravilhosa ela expor essa denuncia absurda sobre o feminicidio, A banalização da violência pelo homem que domina a vítima e propõe um discurso que diminui a culpa.
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